domingo, 31 de agosto de 2008

Tempestade

Parece que te enxergo.
Você translude. Transparece. Ilude. Parece. Padece.

Aparece.

Queima. Rasga. Arde. Inflama. Combusta. Faísca. Atrita. Aperta. Incandesce.

Esfria. Congela. Segura. Agarra. Merece. Explode. Implode. Arranca. Perfura. Dilacera.
Cura.

Ateio-me fogo, caio por su'alma escarlate.
Clamo por vida, almejando que me mate.
Seu fogo incandesce. Lasciva. Deseja. Lampeja.
Se quem brinca com fogo se queima...
Imagino o que ganho se levá-lo a sério.

sábado, 16 de agosto de 2008

Playground

...balanço...

...balanço...

...balanço.

Mauro se sentia sozinho. O farfalhar do vento ao redor do parquinho o fazia se sentir sozinho. Não que não tivesse amigos, mas...mas se sentia como se um pedaço do coração estivesse em outro lugar. Não atrás do arbusto em que as folhas dançavam, não com o cãozinho que acabara de cruzar seu caminho correndo. Estava em algum lugar...mas onde?

Mauro estava triste. Não conseguia chorar. Mas tinha vontade. Seu peito estava amarrado, mais pesado que nunca estivera em seus 9 anos de existência. Não entendia as quase-lágrimas que, secas, jorravam de seus olhos, como se berrassem. Só queria chorar.

Mas não adiantaria chorar. Quem estaria lá para aconchegá-lo com um abraço forte? Com um olhar de "está tudo bem" ou com uma mão estendida para levá-lo para casa? Ninguém. O parquinho estava gelado. Gelado.

Mauro se levantou. Agarrou forte o urso marrom e apertou sua gravata azul. Deu-lhe um beijo forte e olhou para os lados, como se aquilo fosse proibido. Como se tivesse cometido um crime, ou uma cena aterrorizante aos olhos dos outros. Queria esconder o urso. Protegê-lo.

Colocou-o na mochila azul, deixando a cabecinha para fora para poder respirar. Pegou um saco de batatas fritas e abriu. Ofereceu uma ao urso, mas este não aceitou. "Depois você come", pensou. Começou a caminhar pelas ruas da cidade. Anoitecia e as lâmpadas dos postes saudavam a luz da lua. Bares, padarias, cinemas. Tudo passava.

Passou por uma escola. Parou. Olhou. Sentiu o mesmo aperto de antes. Não sabia o porquê. Sabia o que via. Ou não sabia. Não entendia. Entendia? Tentava gostar, tentava não ligar, tentava fingir que nem queria estar lá. Queria estar lá. No meio dos outros meninos, no meio dos abraços dos amigos, nos carinhos das professoras e nas boas-vindas das mães. Queria ter tudo.

Peguei o urso e ofereci mais uma batata. Agarrei-o mais forte. Quis fugir de lá. Quis chorar. Quis estar lá. Quis querer mais. Mas não podia.

Podia?

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Jogo de Buraco

Um: Mais duzentos pontos! E canastra limpa!
Dois: Não precisa falar. É para se jogar em silêncio.
Três: Bom, minha vez.
Um: Cala a boca! Num sabe perder?
Três: Humm...tá, descarto essa mesmo.
Dois: Olha só pra você...é só um jogo. Não me importo de perder.
Quatro: Mas que droga. Num veio a carta. Segue.
Um: Não se importa? *gargalhada meteoricamente exagerada.*
Dois: NÃO! E você não sabe jogar. Canalha.
Um: Olhe os pontos e depois me diga quem não sabe jogar!
Três: Bati. Passe o morto, sim?
Quatro: Direto?
Três: Não, segue o valete.
Dois: Eu ainda não sei porque nos casamos...
Quatro: Valete? Tá...eu pego ele e abro esse joguinho. Segue.
Um: EU É QUE NÃO SEI! VOCÊ NÃO PRESTA!
Três: Que morto mais ruim.
Dois: Olha seu nível...menos, Cláudia, menos.
Cláudia: Eu odeio você, Mário. Odeio. ODEIOOO!! *berro histérico*
Quatro: Há. Bati também. E direto. O morto é meu!
Três: Ué? Acabaram os amendoins? Vou pegar mais.
Mário: ISSO MESMO! GRITA! GRITA MAIS ALTO! O VIZINHO DO DÉCIMO ANDAR NÃO OUVIU! GRITA!
Quatro: Tomás, você me traz um copo de coca?
Tomás: Sim. Só tem Pepsi, Beto. Serve? *segura um copo e o leva à mesa*
Beto: É...
Cláudia: SEU MALDITO! *arranca o copo da mão de Thomás e o lança*
Thomás: Cláudia...vc está descontrolada.
Cláudia: AAAAAAAAAA! Vou embora! *joga as cartas sobre a mesa, espalhando o jogo e sai pela porta da cozinha.*
Mário: VOLTA AQUI DESGRAÇADA! *limpa o sangue e os cacos de vidro do rosto com a camisa branca, correndo atrás dela.*
Beto: Droga.
Tomás: Vamos de tranca agora?

domingo, 10 de agosto de 2008

Lacrima Perpetuum

Conforme descia a mesma amarga rua de todos os dias, a chuva a violentava descomunalmente. As gotas se fundiam com a acidez de suas lágrimas, agora mais perpétuas. Intocáveis cicatrizes de um lado escuro que assumia controle de suas emoções mais sutis. Vagarosamente, ia-se inebriando, confundindo e ofuscando sua personalidade, como se fosse inevitável tal sufocamento. A cada passo, a cada frio, a cada olhar, via-se de frente a espelhos secretos e obscuros, revelando a pura treva que recusara a admitir pertencer.

Chegou em casa e não sentiu a porta abrir. Talvez a mecânica cotidiana entediante não tivesse permitido. Como se fosse proibido sentir. A névoa negra a envlovia por completo na estreita escadaria da modesta residência. Luzes amarelo-quente piscavam cansadas, se arrastando a cada incandescência: fingiam iluminar seu caminho, inútil e incessantemente. Uma tentativa frustrada e frustrante de perfurar sua crisálida e a resgatar do poço das emoções afogadas.

O quarto estava mais duro que qualquer ódio reprimido. O ar, estático e quebradiço parecia assistir sua desgraça, ínfima e cruel. O silêncio, que antes fora lugar de repousar sonhos e personificar sabedoria tomara uma atitude traidora, como se a apunhalasse por trás, arrancando sua alma e fazendo-a definhar aos milímetros: se calara...