quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Relato de sonho #0

...e estávamos lá, dilacerando soldados e desmembrando pessoas com nossas espadas afiadas e cortes precisos e sendentos por sangue. A cada andar do prédio, os respingos escarlates em nossas faces não passavam de meros incômodos em meio à carnificina que causávamos àquele prédio. O prédio dos traidores, onde todos os ocupantes deveriam cessar de exisitir.


O único problema era que não lembrávamos o motivo da traição e da sangrenta vingança.

Chegamos ao último andar da torre. Arfávamos, suávamos intensamente, mas nossos olhos ainda continuavam vidrados e insaciáveis. Era uma sensação nova e que, consciente ou não, estava adorando. E isso o assustava.

O andar era praticamente todo aveludado em vermelho. "Uma cor muito apropriada", pensei. No centro, uma comprida mesa de reuniões, ricos detalhes entalhados e dourados. No chão, um imponente tapete indiano colorido, mas opaco pela ação do tempo e atrito de sapatos. Em volta da mesa, quatro homens sérios, aterrorizados, começaram a falar:

- Não somos nós os... os traidores. - disse o mais alto, à direita.

- É... Salvatore. Ele nos manipulou, assim como vocês! Acreditem em nós, mercenários. - disse o de cabelos brancos, no centro.

E nós, por algum motivos, acreditamos. Trocamos olhares e os executamos impiedosamente. A cada garganta, a cada membro, a cata gotícula de sangue derramada, era como se nossa alma se banhasse em êxtase e se sentia completa, poderosa, forte.

Voltamos a descer pelas escadarias e, andar por andar, fomos aniquilando quaisquer pessoas que encontrávamos. Homens, mulheres, assassinos ou não; todos eram traidores e nenhum viveria.

Quando chegamos a um andar específico, nos dividimos. Eu segui pelo corredor carpeteado, enquanto ela dobrou a direita. Cheguei a uma porta escondida e, de dentro do cômodo prestes a ser exterminado, ouvia-se lamentos e um choro tímido - muito provavelmente como sendo uma tentativa de ser abafado, inutilmente.

Abri a porta e fiquei perplexo. Toda minha fúria de vingança, toda a sede por sangue, toda a ira desgovernada por todos aqueles traidores desaparecera instantaneamente, como numa ampulheta que acabara de deixar seu último grão de areia cair e encerrar seu tempo. Ele estava lá. Ele.

Um menino de 12 anos, indefeso, com lágrimas escorrendo em seus olhos e sua face vermelha e cheia de sardas. Seus olhos e cabelos negros estavam tão furiosos quanto os meus estiveram, há poucos minutos. Nos olhamos e quem começou a chorar fui eu.

- Fuja. Não tem que ser assim. Se você resistir, terei que matá-lo. - disse a ele.

- Aaaaaaaargh! - o menino respondeu, me empurrando para a parede, abrindo caminho e buscando em suas coisas por uma arma afiada que pudesse arrancar meu coração. Meu coração que, segundo seu julgamento, era um coração de traidor, de quem não cumpre uma palavra, de quem esquece, abandona. E seu olhar furioso e inquisidor era mais difícil de suportar que os lamentos de todas as pessoas que matara anteriormente.

Eu tentei abraçá-lo, dizendo seu nome. Ele me rechaçou violentamente e continuou na busca pela arma que estava disposto a usar contra mim. Virei as costas. Decidi desobedecer o comandante e escolhi não matar o garoto. Ele era importante demais. Não conseguiria viver com aquela morte em meus ombros, em minhas mãos. Minha lâmina e minha alma ficaria manchadas para toda a eternidade.

Quando estava prestes a sair do triste cômodo, ouvi passos do garoto correndo em minha direção e me preparei para o pior. Para a redenção (?), sem me defender ou me virar. Entretanto, mais uma vez meus sentimentos foram surpreendidos e eu fiquei confuso: em vez de lâmina ou bala fincada em minhas costas, recebi um caloroso abraço banhado à lágrimas.

E ficamos lá por um breve período de tempo. Prometi protegê-lo, convidei-o a sair de lá. Jurei levá-lo para um lugar seguro.

Saímos do prédio e fomos à base, correndo, com o garoto em meus braços. Decidimos por fim, que ela o levaria para outro lugar, enquanto eu ficaria lá, caso algo acontecesse e Salvatore, o dito traidor, aparecesse ou desse sinal de vida.

Recebi a informação de que ele estava a caminho, de carro. Um carro vermelho. Meu sangue voltou a borbulhar, mas por um motivo maior e mais nobre do que a sede por vingança. Estava fervilhando pela vontade de proteger alguém.

Fui para a rua, parando quaisquer carros vermelhos que via passar. Meus olhos sangravam lágrimas.

E do céu, uma fumaça preta surgiu, e bombas começaram a cair. Gritos abafados, construções caindo, alarme de carros sendo disparados, fogo crepitanto em todo lugar. Uma profusão de sons de desgraça e aterrorizantes.

Corri para a base, para tentar entender o que ocorria. Olhei pela janela e observei enquanto um jato vinha banhando a cidade com balas disparadas violentamente contra o concreto ou qualquer outra coisa que entrasse em seu caminho. O avião vinha para onde estava. Suas balas de fogo destruíam casas, árvores, pessoas e vinha em minha direção. Não tinha como escapar.

Entretando, pelas forças maiores do destino, nenhum tiro me feriu.

(...)

E então tudo se tornou branco, e a realidade assumiu o controle.

Acordei sem saber o que aconteceu com minha parceira, com o garoto, com a cidade, com Salvatore. Ele ficaram para trás, no meu inconsciente e só voltarei a vê-los numa próxima noite aleatória. E agora vivo assim, acorrentado a uma rede de memórias que não são reais...