domingo, 23 de novembro de 2008

Comida

Urubus sempre me aterrorizaram...

Da última vez, vi nove deles se alimentando. Dez, aliás. Olhava-os pelo vidro da janela, me protejendo atrás das cortinas do banheiro. Comiam. Na ponta dos pés, assistia ao terror do banquete. Perfuravam a carne do pobre animal, arrancavam-lhe os olhos, o pelo, cuspiam os ossos e se atacavam para comer. Comiam. Não conseguia desviar o olhar...era como... como se estivesse preso numa dimensão indolor que me esmagava.

Foi quando um túnel se revelou e eu entrei, sem relevar. Me achei no antes, e estava atrás de mim mesmo, criança, observando a cena. Quando um deles se aproximou. A estrada era de terra seca, nada havia perto, só silhuetas teimosas do tempo. O silêncio era pesado, escuro. Um deles nos olhou então, fixou seus olhos escuros e nos sentimos em pura treva. Tentamos desviar o olhar, mas estavávamos estarrecidos, hipnotizados pela morte que havia ao redor de sua aura negra.

Não... não...

Foi quando abri meus olhos.
E notei que eles estavam abertos.

3 comentários:

Dario Duarte disse...

Estou em estado de epifania.
Texto lindo.
O grão de areia vira pérola e o gato vira tigre em momentos como esse.

Srta. Coisa disse...

"E tudo que eu andava fazendo e sendo eu não queria que ele visse nem soubesse, mas depois de pensar isso me deu um desgosto porque fui percebendo (...) que talvez eu não quisesse que ele soubesse que eu era eu, e eu era." Caio F.
gostei do texto. bastante.
um abraço

Van disse...

Fortes imagens!
Um sonho dentro do sonho...

"É difícil acordar quando sonhamos que sonhamos" (Novalis)

Beijucas